Parte I:
A noite estava serena com uma leve e agradável brisa soprando de vez em quando, fazendo as folhas balançarem e a poeira das ruelas de terra levantar. A bela luz de uma lua bem redonda ajudava a achar o caminho de casa por aquelas vias tortuosas e escuras da zona pobre de Amyville. Um jovem adulto se aventurava pela noite. Preocupado, Nathan andava a passos largos. Não deveria ter ficado até tão tarde se divertindo no prostíbulo. Sua esposa provavelmente reclamaria até cansar seus ouvidos. Quantas vezes ela já não lhe tinha dito para não ficar até tão tarde fora de casa? Mas o que ele podia fazer? Cuidar de cinco filhos não era mole. Passava a semana toda cuidando dos negócios na sapataria herdada do pai, que havia herdado do avô e assim por diante. Bem que a corporação podia autorizar um aumento no preço dos sapatos. Os impostos estavam de tirar o couro. No fim das contas ele merecia se divertir um pouco. E a jovem Marilyn valia cada moeda.
O povoado de Amyville oferecia muitos perigos aos que ousavam sair de noite, ainda mais quando a madrugada aprofundava. Ladrões sempre estavam à espreita, desafiando os guardas que faziam a ronda pelo burgo. Mas, para o azar de Nathan, o perigo reservado para ele neste momento era muito pior.
Ele não notou um par de olhos verdes esmeralda o espreitando à distância, na escuridão de um dos becos. Olhos que emitiam um brilho fantasmagórico e sinistro. Não imaginava que estava sendo caçado por uma das mais mortais criaturas que existiam. Um demônio sugador de vidas. Uma sanguessuga parasita que precisava do sangue alheio para manter vivo seu corpo inanimado.
Seu temido nome: Arctos de Pontis. Aparentava ser apenas um jovem adulto de vinte e cinco anos de idade. Mas não se deixe enganar pela aparência gentil e o rosto angelical, pois a criatura tinha mais de setenta anos de existência e estava faminta. Rápida e silenciosa, ela se movimentava pela escuridão como uma sombra. Um autêntico predador das trevas. Seus pés tocavam o chão com a leveza do andar de um gato. A criatura saltou quando, de repente, Nathan incomodado olhou para trás. O jovem estava tendo a nítida sensação de estar sendo seguido.
Um incrível salto acrobático, impossível para um homem comum, pousando com uma leveza mística no teto de uma das choupanas pobres, sem fazer um barulho sequer. Uma coruja pousada no telhado continuou dormindo. A criatura sorriu, a caçada sempre a excitava.
Nathan sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Mesmo não tendo visto nada de anormal atrás dele, o jovem engoliu em seco e acelerou o passo. Virava a cabeça de um lado a outro a cada instante, sentindo que cada sombra se mexia, escondendo um perigo oculto. A criatura notou o medo da presa e, utilizando uma velocidade sobre-humana, corria pelos telhados. Não demorou muito a ultrapassar sua vítima.
Uma sensação de mal-estar consumia a mente do jovem. A adrenalina corria solta; o coração acelerado, quase saltando a boca. Começou a correr. E corria desenfreado quando, repentinamente, trombou com algo, desequilibrou-se e caiu sentado no chão. Pânico. Olhou para os lados e para frente, esperando encontrar um ladrão ou um assassino. Surpresa. Não havia nenhuma viva alma na ruela. Perplexo, ele se levantou ainda sem entender no que tinha batido. Retirou o melhor que pôde a terra das roupas e do rosto. Uma sensação estranha. Olhou para trás e finalmente viu uma pessoa. Os longos e ondulados cabelos castanho claro estavam soltos, balançando livres ao sabor do vento. Os olhos verdes, profundos e envolventes com seu brilho sobrenatural. As mãos livres, terminadas em unhas longas e afiadas como as garras de uma ave de rapina. Usava roupas de boa qualidade e caras demais para ser um mendigo. Calça e blusa de veludo de cor azul escuro. Um manto preto esvoaçante, combinando com o refinado sapato de couro escondia uma espada presa as costas. O capuz jogado para trás do pescoço. Seria um ricaço bêbado? Fosse ele quem fosse, não podia ser uma pessoa comum. Não, aquele indivíduo era muito estranho. A pele tão branca… Pálido como um cadáver.
O medo já tomara conta de Nathan. O pobre homem suava de nervoso, manchando a blusa encardida nas axilas, e a criatura percebia com satisfação. Arctos sorriu. Um sorriso de pura maldade.
- Quem é voismecê? – perguntou a vítima apavorada, mas, ao mesmo tempo, tentando esboçar coragem.
A criatura gargalhou de satisfação, deixando dois longos e afiados caninos à mostra. Geralmente suas presas não faziam perguntas imbecis, e sim, corriam com o rabo entre as pernas ou paralisavam como este aí. O medo era um alimento saboroso, mas aquele jovem parecia querer lutar contra ele. Tal atitude surpreendeu um pouco o vampiro que resolveu se divertir um pouco mais. No final das contas tudo terminaria como sempre terminava...
- Pobre de ti, tolo mortal. Hoje represento a morte. Vim para sugar-lhe a vida e condená-lo ao inferno – gargalhou ele, mostrando novamente os caninos pontiagudos.
Nathan tremeu na base. Estava à frente de um demônio. Tentou correr, mas suas pernas não lhe obedeciam. Pavor. Não queria morrer. Era ainda muito jovem. Quem cuidaria de sua família? Quem?! Acabou se molhando todo quando a criatura começou a caminhar em sua direção.
- Meu Deus... Meu Deus... por piedade, salve... este pobre pecador! Salve este seu fiel... servo! – rezou Nathan, olhando para o alto. Parte II:
O vampiro gargalhou novamente. Estava bem próximo.
- Achas mesmo que Ele se importa? – disse pausadamente, se deliciando com o pavor cada vez maior de sua vítima. – Pois saiba que não. Tu és somente mais uma das inúmeras vítimas que já tombaram ante mim. Faz bem tuas últimas preces, pois vais morrer hoje nas mãos de uma criatura do Demônio.
- Piedade – implorou o jovem caindo de joelhos. – Minha família depende de mim para sobreviver.
- Oh, verdade? Qual teu nome? – perguntou o vampiro, fingindo interesse.- Na…Nathan... Crawler.
- Pois bem, Sr. Crawler, prometo-lhe que hoje mesmo tua família vai te fazer companhia no além – gargalhou ele morbidamente. – Assim não terás com o que te preocupar.
Nathan sentia as lágrimas escorrerem pelo rosto sujo de terra – uma vergonha para os homens da época. O pobre não tinha nem mais forças para ficar em pé. Arctos envolveu seu pescoço e o levantou com apenas uma das mãos como se o corpo de Nathan nada pesasse. Sentindo a mão gélida daquele morto-vivo fechando-se sobre sua garganta, o homem chorava de desespero. E debatia-se, chutando e socando a criatura. Em vão. Tentou enfim gritar por socorro, mas o vampiro apertava-lhe a garganta, cravando suas unhas pontiagudas na carne e impedindo a saída de ar. Arctos o socou no estômago, tão forte que Nathan golfou sangue. O jovem perdeu completamente as forças. A criatura se divertia.
- Deves estar desesperado mesmo – sussurrou o vampiro no ouvido de sua vítima, fingindo compaixão. Tal sentimento não existia para ele. – Sinto o cheiro do teu medo e ele me fortalece. Mais doce que mel.
O vampiro abriu a boca e aproximou seus caninos do pescoço da presa. Mais um pouco e o jovem estaria no ponto. Era difícil se controlar... A pele quente do rapaz, por onde veias carregadas sangue morno circulavam, o chamavam ardentemente. Seus olhos brilharam com mais intensidade quando viu o filete de sangue escorrendo do machucado feito pelas suas unhas... Mas ele saberia esperar.
Quando a vítima atingia o máximo de desespero, seu sangue ficava com um sabor todo especial. Faltava pouco agora, muito pouco. O jovem continuava a chorar e se contorcer de dor mais e mais, à medida que Arctos esmagava-lhe a traquéia e o impedia de respirar. Rezava em pensamento a Deus para que o seu sofrimento acabasse logo e pedia proteção à sua família. Imaginava sua amada sendo torturada por aquele monstro e se enchia de ódio, mas nada podia fazer. Dor, repentina e aguda. O vampiro finalmente cravou seus caninos na artéria carótida da vítima e sorveu seu sangue vagarosamente, se deliciando com seu sofrimento. Sangue, poderoso líquido da vida, o verdadeiro néctar dos deuses. Por um breve momento Arctos se sentiu vivo novamente. O frio eterno que consumia sua alma se dissipou, inundado pela sensação da vida. Seu corpo pulsava delirante, à medida que o sangue quente escorria por sua garganta. O prazer era indescritível, um êxtase melhor do que mil orgasmos tomava conta do seu corpo morto. O sangue humano era viciante. O melhor dos vícios porque, além do prazer, proporcionava a manutenção da sua não-vida maldita para todo o sempre.
Arctos sugou até a última gota de sangue. Sentia-se melhor agora com o estômago abarrotado de sangue. Quantidade suficiente para sustentá-lo por três ou quatro noites. Estalou o pescoço. Com sua audição apurada conseguia ouvir os burburinhos vindos de dentro das casas escuras. As pessoas acordaram com o barulho. Mas o vampiro sabia que elas seriam covardes demais para saírem. Podia sentir o cheiro do medo. Covardes. Ninguém iria se atrever a atrapalhá-lo. Arctos infelizmente não viu um par de olhos espectrais vigiando seus movimentos do alto de uma árvore. Uma invasão que custaria muito caro.
O vampiro carregou o corpo morto do rapaz no ombro até a porta da igreja e lá o deixou. O gesto nada tinha a ver com piedade ou religiosidade. Era mais uma brincadeira mórbida, seu cartão de visitas. Rasgou as roupas dele e com as suas unhas fez um símbolo qualquer na carne do cadáver. Cortou a cabeça com um só golpe de sua espada. Pronto. Ele se afastou, levando a cabeça da vítima e imaginando o que o padre iria pensar. “Forças demoníacas estão tomando conta do nosso burgo” – diria o sacerdote. – “Salvem teus filhos, paguem mais tributos à santa Igreja!!!”. Arctos riu dele mesmo. Como eram tolos os mortais.
Arctos atravessou as ruas sujas e escuras da cidade, pegando seu cavalo negro no caminho. Seu mestre ficaria satisfeito. Aquele vilarejo era perfeito para ser a sua zona de caça. Era para a propriedade deste que ele se dirigia agora. Cavalgou por um certo tempo, atravessando a praça central. Um homem doente e magro como um esqueleto fora enforcado de manhã na árvore centenária da praça em frente ao tribunal. Seu crime: roubar um pão para comer.
Avistou algumas tabernas no caminho, mas hoje não mais iria caçar. As tabernas eram lugares ideais para se conseguir novas vítimas. Os prostíbulos também. Foi num desses que mais cedo ele selecionou Nathan como sua presa. Quem sabe da próxima vez ele não pegaria uma bela prostituta? As mulheres eram as melhores para serem torturadas. Adorava ouvi-las gritar de medo.
O vampiro evitou a todo custo se confrontar com os guardas que andavam em grupos pela cidade, zelando pela sua proteção. Não que eles representassem problemas, mas Arctos não estava a fim de arrumar confusão. Ainda não.